Crise no Senado expõe chantagem política e ameaça à independência entre os Poderes
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Por Fátima Miranda
O Senado, órgão que deveria zelar pelo equilíbrio institucional e pela estabilidade das instituições republicanas, transformou-se num palco para arruaças políticas com custo direto para o povo. Sob a batuta do presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, vimos nos últimos dias a concretização de uma ofensiva que tem pouco de institucional e muito de vingança pessoal: a abertura de uma frente para acelerar pautas e votações justamente quando o Planalto tenta emplacar um nome para o Supremo Tribunal Federal — o advogado-geral da União Jorge Messias. O resultado prático foi brutal: o Congresso derrubou dezenas de vetos presidenciais, muitos deles centrais ao tema do licenciamento ambiental, em votações que especialistas já classificaram como um retrocesso.
A lógica por trás dessa batalha é simples e perversa: Alcolumbre não gostou da decisão do presidente Lula de indicar Messias — e, como resposta, usou a caneta do comando do Senado para criar dificuldades ao Executivo. Isso não é política; é barganha com o país como fiador. O presidente do Senado pode convocar sessões e pautar itens, claro — mas não tem a prerrogativa constitucional de escolher ministros do STF. Essa prerrogativa é exclusividade do chefe do Executivo. Se Alcolumbre pensa o contrário, que se candidate e vença a Presidência da República. Enquanto isso não acontece, usar o Legislativo como instrumento de retaliação é traição ao mandato que a sociedade lhe conferiu.
O caso de Jorge Messias exemplifica a indecência dessa disputa. Lula indicou o atual AGU para a vaga deixada por Barroso; o Senado tem o papel constitucional de sabatinar e aprovar ou rejeitar. Mas pautar a sabatina em meio a uma ofensiva de derrubada de vetos, e ao mesmo tempo acelerar a tramitação de pautas que atingem diretamente direitos ambientais e sociais, é tática de intimidação — um recado claro: “se você não indica quem eu quero, eu faço a vida do governo impossível” — chantagem! A política não é jogo de vingança; é serviço público.
Os números falam por si: em sessão conjunta, 56 dos 63 vetos aplicados pelo presidente foram derrubados — um pacote avassalador que alguns já apelidaram de “PL da Devastação”. Isso não é um detalhe técnico: são decisões que afrouxam controles de licenciamento ambiental, que podem abrir caminho para desmonte do meio ambiente e favorecer interesses econômicos predatórios. Quando cargos e indicações viram moeda de troca para aprovar retrocessos desta monta, o Brasil perde — e perde feio.
Dizer que “é só política” é a desculpa covarde de quem aceita o país sendo vendido em parcelas. A democracia exige disputa — mas dentro de regras e limites que protejam o interesse público. O que Alcolumbre protagoniza é outra coisa: é a instrumentalização do Congresso para punir um Executivo por uma questão de vaidade política ou de influência pessoal sobre vagas no STF. É vergonhoso, e é perigoso. Quando os interesses pessoais do presidente do Senado passam a orientar decisões que afetam saúde pública, meio ambiente e direitos básicos, estamos diante de abuso de poder institucional.
Não se trata de “defender o Planalto” a qualquer custo. Trata-se de defender o princípio de que as instituições não existem para satisfazer caprichos individuais. O Senado tem função de freio e balanço — e não de cabresto para arregimentar proveitos políticos. A verdade é que a pauta-bomba articulada sob o comando de Alcolumbre lançou na mesa uma proposta de que o Congresso é lugar de acerto privado, não de deliberação pública. E isso mina a confiança de quem realmente importa: a população.
Há ainda uma falha ética gravíssima: usar a votação de vetos — atos presidenciais que visam corrigir excessos ou vícios de projetos — como retaliação é usar o interesse público como moeda de barganha. A população que sente no bolso a falta de políticas públicas, o avanço sobre áreas protegidas, a insegurança jurídica, não tem nada a ver com essa disputa. Não somos reféns de caprichos. Não é aceitável que as normas que regem o licenciamento ambiental, a proteção de reservas e rios, sejam decididas em função de rancores pessoais. Isso é traição ao mandato que os parlamentares receberam.
Alguns dirão que “tudo faz parte do jogo político” e que “no Congresso tudo se negocia”. Sim, negocia-se — mas negocia-se para construir, não para destruir. Quando os acordos servem para desmontar salvaguardas ambientais ou para punir uma indicação presidencial legítima, quem perde é a sociedade inteira. É hora de lembrar aos senadores que os interesses eleitorais e as ambições pessoais não podem sobrepor-se ao dever de proteger bens comuns e direitos fundamentais.
O Planalto também tem responsabilidade. Nenhuma indicação deveria ser tratada como trincheira de guerra simbólica se não houver esforço de diálogo — mas diálogo não é barganha por vetos e retaliações. Se o Executivo pretende indicar um nome, deve trabalhar para construir até o último momento consenso, explicar, negociar, mas jamais aceitar que as instituições se tornem campo de batalha de vaidades. A engrenagem institucional funciona quando cada poder respeita seus limites. Quando isso se rompe, o preço é alto.
Como cidadã e observadora, conclamo a sociedade a não naturalizar esse tipo de comportamento. Cobrar transparência, exigir explicações públicas dos senadores e fiscalizar com vigor cada voto que afeta direitos coletivos é obrigação cívica. Não podemos aceitar que pautas que decidem sobre o futuro ambiental do país sejam tratadas como troféu de retaliação. O Congresso deve ser casa de debate, não de chantagem.
E para os deputados e senadores que leem isto: a história não será gentil com quem preferiu a vingança à governança. Governar é tomar decisões que ampliem bem-estar, não ampliar o sofrimento por birras institucionais. O povo brasileiro não elegeu representantes para serem instrumentos de lavagem de roupa suja. Eleitos, façam o trabalho — ou renunciem ao mandato para quem tenha decência de servir.
Terminando sem rodeios: o episódio é uma lição amarga — instituições frágeis e personalismos oportunistas produzem política de baixa qualidade e alto custo social. Alcolumbre pode ter ganhado uma batalha tática; se o fez, venceu no vazio moral. O Brasil, porém, não pode pagar essa conta. Precisamos de responsabilização política, de pressão pública e de um retorno à prática institucional que priorize o interesse coletivo. Nem um passo para trás em direitos e proteção — nem um centímetro para os barganhadores que confundem mandato com propriedade privada.
Fontes que lastreiam esse artigo:
Somos o ISA, Instituto Socioambiental, Agência Pública, CNN Brasil, Somos o ISA, Instituto Socioambiental, Metrópoles, XP Investimentos, Somos o ISA, Instituto Socioambiental, Extra Classe, Brasil 247, Somos o ISA, Instituto Socioambiental, Agência Pública, Carta Capital,

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